Tenho por política não comentar assuntos da actualidade. Mas este é um assunto que me toca particularmente.
O King faz parte da nossa família há largos anos, e dizem os senhores lá de cima que ele é um cão potencialmente perigoso. Encontrámo-lo numa área de serviço no meio da autoestrada (prática comum dos abandonos…), onde ele teria sido abandonado, com 8 meses de idade, esquelético e muito ferido no corpo todo. Os ferimentos indicavam que, para além de ter sido maltratado, era certamente usado em lutas de cães – só isso poderia justificar os rasgos profundos que tinha no pescoço.
O King esteve deitado na área de serviço a manhã e a tarde toda desse dia, até nós passarmos por lá, por puro acaso. Ninguém se tinha aproximado dele porque ele tinha um ar potencialmente perigoso. Nem para lhe dar água. Quando nos aproximámos dele, derreteu-se em mimos, agradecido e aterrorizado ao mesmo tempo. Ficou no hospital veterinário a recuperar durante uma semana e veio para nossa casa. Durante meses não queria passear na rua, com medo de tudo e de todos.
Mas nem por um momento nos rosnou, nos mostrou os dentes, nos quis morder. Nem a nós nem a qualquer outro cão. Na verdade, o King é o cão mais social que eu conheço. Cumprimenta toda a gente, é um relações-públicas extraordinário.

O King vive numa casa cheia de amor e paz (a nossa ;)). Por isso é um cãozinho amoroso e pacífico, se bem que muito traumatizado com o que lhe aconteceu quando era bebé.
Posto isto, tenho de concluir que não há cães potencialmente perigosos. Há cães mais fortes, e outros menos fortes. Há, sim, pessoas potencialmente perigosas. E há pessoas potencialmente perigosas que têm cães fortes com grandes mandíbulas. E as pessoas potencialmente perigosas não devem ter cães, nem armas, nem nada que ponha em causa o bem-estar das outras pessoas e dos próprios animais.
Os cães fortes e grandes como o King têm muita energia para gastar. Têm de correr, saltar, brincar até se cansarem. Não podem viver numa varanda. Nenhum cão (nem nenhum animal ou pessoa) deve viver encerrado num compartimento.


Esta questão dos cães potencialmente perigosos só existe não porque há falta de leis, mas porque há falta de senso nas pessoas. Porque os jornalistas esquecem-se que têm de dar notícias e não fazer sensacionalismo barato. As leis só mudam quando a sociedade civil já as pratica, mesmo antes de serem uma lei. E a sociedade civil ainda só está a despertar para a questão dos animais. Já há leis que protegem, de alguma maneira, os animais, mas não são consideradas nem cumpridas. Mesmo para as questões mais fúteis, tudo depende da sensibilidade da pessoa que lida com essas questões. Ainda no outro dia fui pedir ajuda a um bombeiro para tirar um gato do cimo de uma árvore de 4 metros, e o bombeiro não estava para se chatear com isso, sobretudo à hora de almoço. Estas situações passam-se com a polícia, com juízes, com advogados, das mais simples às mais terríveis. Tudo dependerá da sensibilidade e civilidade dos intervenientes.
E então alguém vem dizer que a lei tem de ser cumprida sempre que a lei implica o abate de qualquer animal. Mas nunca é cumprida quando estão em causa maus tratos contra animais.
Na verdade, é tudo um mal de falta de educação, de civilidade.
Se tiverem alguma dúvida, o King ficará honrado em esclarecê-las.